Chelsea x Manchester City: o confronto do futebol coletivo
O jogo decisivo da Liga dos Campeões da Uefa, dia 29 de maio, na cidade portuguesa do Porto, marcará um duelo entre dois clubes ingleses e predominantemente azuis. Dois clubes que ingressaram no cenário internacional entre os mais poderosos do mundo a partir de aportes financeiros oriundos do exterior. Chelsea e Manchester City jamais seriam imaginados em jogo de tal magnitude há alguns anos. Hoje isso não surpreende.
Obviamente a ascensão do time londrino foi iniciada em 2003, quando adquirido por Roman Abramovich. Aconselhado a desembolsar inicialmente cerca de 25 milhões de euros em contratações, o russo torrou, de cara, 166 milhões de euros em apenas seis semanas. Estava dado o sinal ao mundo do futebol, o Chelsea entraria no grupo dos mais fortes times da Europa. Era uma mera questão de tempo para que acontecesse.
Cinco anos depois, o xeque de Abu Dabi Mansour bin Zayed bin Sultan Al Nahyan, em nome de seu grupo, Abu Dhabi United ou City Football Group, comprou o Manchester City. Custou cerca de 400 milhões de dólares. O clube azul da cidade pertencia ao polêmico ex-primeiro-ministro tailandês, Thaksin Shinawatra, apontado pela Human Rights Watch (HRW) de ser “um violador dos direitos humanos da pior espécie”.
Thaksin era acusado de 2500 execuções sem julgamento prévio e eliminação dos órgãos de comunicação social opositores, durante o seu mandato enquanto chefe do executivo tailandês. Ele havia comprado os Citizens no ano anterior e sua saída de cena com a chegada do dinheiro árabe tranquilizou a Premier League, que convivia com os questionamentos pesados feitos desde que o tailandês adquirira os azuis de Manchester.
Fato é que ambos os clubes deram um salto enorme e repentino. O Chelsea nem era tão periférico como se imagina, tanto que nas temporadas anteriores à chegada de Abramovic ficou entre sexto e terceiro lugares na classificação da Premier League. Não ganhou o título, mas brigava lá em cima, além de ser um time de torcida, em Londres e localizado em uma das mais caras regiões da cidade. Um combo desejado pelo magnata russo.
Cenário bem diferente do vivido pelo Manchester City, que deu dois saltos de investimentos, o primeiro, menor, com Shinawatra e depois com o dinheiro dos Emirados Árabes Unidos. O time estava na segunda divisão cinco anos antes de ser adquirido pelo tailandês, mas ganhava naquele 2002 o direito de administrar um estádio novinho em folha, erguido pelo Estado para os Jogos da Comunidade Britânica disputados naquele ano.
A exemplo do Chelsea, tornou-se atraente para investidores, pelo estádio, por ter uma boa torcida (sim, mesmo inferiorizados em relação ao poderoso Manchester United os Citizens eram numerosos o bastante na região) e estar situado em uma cidade que, por causa do rival vermelho, tem seu nome mundialmente conectado ao futebol. Era o negócio perfeito para iniciar os investimentos que transformariam o clube em definitivo.
A enxurrada de contratações que desabou nas temporadas seguintes, somados aos investimentos em estrutura, profissionais, Centro de Treinamentos, divisões de base, pautou simultaneamente os dois finalistas da Liga dos Campeões 2020/2021. City e Chelsea são entre os times ingleses dos que mais vão ao mercado e também desenvolvem jovens jogadores, com dezenas deles emprestados a clubes menores ou do exterior.
Todo esse trabalho envolve, de qualquer forma, o poder do dinheiro e o que ele pode oferecer, a partir de contratações caras, com atletas das mais diversas seleções do mundo se reunindo sob os símbolos desses times e as batutas de treinadores internacionais. Tanto que o City era somente o décimo colocado da Premier League quando Pep Guardiola ganhava sua primeira Champions League como treinador do Barcelona, em 2009.
A reunião desses dois clubes ingleses em uma final da Champions seria inimaginável há alguns anos. E eles chegam não só pelo dinheiro
Ninguém em são consciência imaginaria o técnico catalão à frente do Manchester City, mas isso aconteceu sete anos depois. Cercado de vários profissionais que com ele trabalharam no Barça, o treinador desembarcou na chuvosa cidade inglesa para um projeto de longo prazo e até contrato já renovou, embora costumasse dizer que prefere passar um triênio em determinado local e depois seguir em frente. Mudou de planos desta vez.
Nesse período já ergueu troféus oito vezes, quatro da Copa da Liga Inglesa, um da FA Cup, a Copa da Inglaterra; e três do campeonato inglês da primeira divisão, a Premier League. Há uma década persegue o título europeu, que ganhou pela última vez em 2011, em uma final Barcelona x Manchester United, disputada em Londres, quando ainda comandava Messi, Xavi e Iniesta, entre outros. Eram craques liderados por um craque.
Isso mudou. Exceto por Kevin De Bruyne e seu exuberante futebol, nenhum jogador do elenco atual de Guardiola seria titular absoluto em qualquer equipe do mundo. O grupo de jogadores do Manchester City é forte, muito forte, mas formado por bons e ótimos nomes, sem cracaços além do belga, o que significa uma maior dependência do conjunto, do jogo coletivo. Não que suas outras equipes não o fossem. Essa, a atual, é mais.
Com Guardiola o Manchester City em sua versão atual é defesa forte, difícil de ser vazada, posse de bola, claro; paciência para girar as jogadas até o momento da definição. São incontáveis movimentos ofensivos e defensivos ensaiados, treinados, desenvolvidos fora de campo e para dentro dele levado pelo treinador, com evidente sucesso na implementação de uma forma de se jogar futebol. A maneira como ganhou a Premier League prova isso.
Não muito diferente do que se passou durante a temporada no seu rival na decisão, mesmo que via roteiro bem outro, típico de um Chelsea que muda de técnicos sem dó e cresceu ao longo da temporada com os ajustes feitos pelo alemão Thomas Tuchel. Ele desembarcou nos Blues em janeiro para substituir o ídolo Frank Lampard, maior artilheiro da história do clube e que não conseguira ajustar a equipe como se esperava, mesmo depois de uma série de caras contratações realizadas.
Se com o inglês os Blues tinham na defesa seu ponto nevrálgico desde a temporada anterior, com o comandante recém-saído do Paris Saint-Germain, que por sinal levou à final da Champions League passada, isso mudou. O germânico ajustou a defesa e a partir daí elevou o desempenho dos demais setores de um Chelsea competitivo e que desde a saída de Hazard para o Real Madrid não mais se apoia tanto no individualismo.
É jogo coletivo com três zagueiros, atacantes velozes e capacidade de alterna momentos nos quais o time se fecha com outros em que são vistos agredindo o adversário em seu campo na busca pela recuperação da posse. O Real Madrid sentiu isso nas semifinais, quando sucumbiu aos londrinos. E assim deverá ser na partida decisiva, em Portugal, quando os finalistas estarão frente a frente com o troféu a separá-los.
Mas como? Manchester City ocupando o campo de ataque e preservando a posse, Chelsea alternando entre momentos nos quais se fechará em sua metade de cancha para atrair o oponente, com aqueles nos quais a marcação subirá para causar desconforto e tentar tomar bola para rápida definição por intermédio de seus mais ágeis homens de frente. E não faltam nomes assim, como:
- Timo Werner
- Pulisic
- Mount
- Ziyech
- Kai Havertz.
Os Citizens terão em De Bruyne a estrela de talento mais destacada entre os 22 atletas. Mas até ele sabe jogar coletivamente. É o homem das assistências, foram 47 nas três últimas temporadas da Premier League, excluída a de 2018/2019, quando, lesionado, mal atuou. Duelo de talentos calçados no que é, cada vez mais o futebol jogado em alto nível: um esporte onde a união faz a força e quem tenta resolver sozinho fica cada vez mais isolado.