Crise, riscos: o futuro do futebol brasileiro pós-pandemia
Salários atrasados, gastos acima das condições financeiras dos clubes, dívidas contraídas sem preocupação com o futuro… Há décadas o futebol brasileiro é marcado por tais características negativas. A gestão raras vezes foi, e é, responsável, caracterizada em quase todos os clubes pelo imediatismo e inconsequência econômica.
O dirigente que chega ao poder quer sucesso imediato, vitórias, títulos, erguer troféus durante seu mandato, mas dois a três anos não costumam ser o bastante para arrumar uma casa bagunçada há décadas, como é comum no país. Com isso, o buraco das finanças é ampliado com equipes montadas como se não houvesse amanhã.
Em geral o campo registra o fracasso retumbante de tais iniciativas, pois esses presidentes, vices e diretores não costumam ser dos mais especializados no assunto futebol. Agem costumeiramente de maneira passional, a exemplo de um torcedor da arquibancada, contudo, tendo a (ir)responsabilidade em suas mãos.
Por essas e outras, o Brasil vê crescer o “Clube do Bilhão“. Em dívidas! Agremiações populares, donas de torcidas numerosas, mas que trabalham com o balanço constantemente no vermelho, a ponto de alcançarem déficit total na casa de R$ 1 bilhão, cifra que nenhum deles jamais conseguiu faturar em uma temporada. O Flamengo foi o que mais se aproximou, com R$ 939 milhões em 2019.
Portanto, antes da pandemia, que já dura mais de um ano, a maioria dos clubes de futebol do Brasil já estava encalacrada financeiramente. O cenário obviamente piorou, muito, com o novo coronavírus, que tirou torcedores dos estádios, fez despencar a adesão aos programas de sócio torcedor, apoiados em vendas de ingressos, e reduziu o tamanho do mercado internacional.
Cenário mais preocupante com a segunda onda
O cenário ficou mais preocupante no país porque, quando poderiam pensar em se equilibrar, os clubes tiveram que enfrentar a segunda onda do vírus, ainda maior, elevando o número de mortos em território brasileiro a mais de 4 mil por dia. Evidentemente tudo ficou ainda mais complexo, grave. Pior ainda para aqueles que têm maior disparidade na relação receita x despesas x endividamento.
O futebol diminuirá de tamanho
Cesar Grafietti
“O futebol diminuirá de tamanho”, disse Cesar Grafietti, o especialista em análise financeiras que anualmente esmiúça os balanços dos clubes brasileiros e expõe suas entranhas em relatórios detalhados. Ele se refere, naturalmente, ao tamanho da atividade econômica que a modalidade representa, movimentando dinheiro, gerando empregos diretos e indiretos.
O caso das receitas derivadas dos programas sócio torcedor é gravíssimo. Palmeiras e Flamengo, os mas bem sucedidos economicamente no momento, viram o faturamento despencar com a fuga de milhares dos que haviam aderido. Os rubro-negros expuseram em seu relatório financeiro de 2020 que os participantes do “Nação Rubro-Negra” eram 125.242 em dezembro de 2019 e 50.392 ao final do ano passado.
Esses recursos foram sacrificadas pela impossibilidade de os times terem público em seus jogos. Quem entra para o sócio torcedor no Brasil tem como objetivo, na maioria das vezes, obter acesso aos ingressos, prioridade na compra, além de preços mais baixos. Sem participar desses programas, palmeirenses e rubro-negros têm dificuldades para adquirir os tíquetes. Mas como não há público nas partidas…
A situação é, de fato, muito complicada e sem grandes alternativas, pois os clubes já haviam assumido compromissos com seus profissionais, como os robustos contratos em vigor, firmados antes de se ouvir falar em novo coronavírus. Assim, cortar custos era preciso, algo que foi feito por praticamente todos, mas e agora sem ter mais de onde tirar?
Isso explica, como citado acima, a postura diferente dos dirigentes em relação ao começo da pandemia. O futebol parou imediatamente em março de 2020, mas hoje, independentemente de alguns riscos inerentes ao momentos, eles querem jogar. Aliás, precisam jogar para arrecadar dinheiro, pagar salários, contas, sobreviver.
Bola segue rolando, mesmo com mais vítimas na pandemia
Fôlego financeiro? Acabou. Como em todos os setores da economia, o futebol procura seguir do jeito que for possível, caso contrário, antigas e famosas instituições irão quebrar. O Flamengo foi campeão brasileiro e da Libertadores em 2019 jogando com o Maracanã repleto, mas há pouco mais de um ano atua para mais de 76 mil cadeiras vazias no palco da final da Copa do Mundo de 2014.
A venda de jogadores costuma ser a solução paliativa nessas horas, mas como o mercado global encolheu, até esse último recurso não é tão acessível. Não por acaso, na mais recente janela europeia de negociações o movimento ficou em torno de um terço do normal. Hoje sabe-se que nem os times da Europa suportariam mais uma vez encarar meses sem jogar.
Foram muitas manifestações na imprensa brasileira e de segmentos da sociedade pela paralisação do futebol devido aos recordes no número de mortos que o país tem batido seguidas vezes. Mas a bola segue rolando. Em São Paulo o governo estadual proibiu o futebol em março e times foram jogar no Rio de Janeiro ou em Brasília.
E quanto aos jogadores? Eles não se queixam, ficam, na massacrante maioria, em silêncio, pois sabem que se os clubes enfrentarem uma completa asfixia financeira, seus salários correrão risco. Sim, eles podem ficar sem receber pela absoluta falta de receita, pois na pandemia terão, sempre, o argumento de que suas fontes de arrecadação secaram, as torneiras foram fechadas, lacradas.
Não será surpreendente se, em algum tempo, uma avalanche de ações judiciais desabar sobre o departamento jurídico de uma agremiação ou outra. E se não existir dinheiro, os profissionais correrão o risco de verem brigas nos tribunais se arrastando por anos. Claro que os atletas não querem isso, o que explica, em parte, a postura da maioria, em silêncio, sem reclamar dos jogos na pandemia.
A crise causada pelo novo coronavírus colocou em situação muito complicada clubes descontrolados como o Corinthians, que mantém mais de 80 jogadores sob contrato, 19 deles emprestados a diversos times do país, pagando, inclusive, parte dos salários de muitos. Com o mercado frio, não tão movimentado, administrar um elenco mais do que inchado se transformou em missão ainda mais complexa. E cara.
Alguém poderá dizer que o futuro do futebol após a pandemia é de incerteza, mas na verdade ele carrega algo absolutamente certo: um mercado encolhido, retraído, sem dinheiro e com muitas dívidas.